Aquelas primeiras semanas de janeiro denunciaram o que estaria prestes a acontecer. Não determinaram o rumo de uma prosa, de uma tarde em um café ou de um ano incomum. Anunciaram o que viria para uma vida, para um par de planetas paralelos que viram as suas órbitas se cruzarem. Não foi premeditado, nem ao menos imaginado nos seus sonhos mais longínquos.
Ela, sem ao menos ter tempo de trancar as portas para o desconhecido, viu seu mundo adentrado por um sopro de vida. As cicatrizes ainda figuravam ali e as cinzas teimavam em tornar infértil o que queria florescer. Não ofereceu resistência ao passo que não poderia supor o que estava por vir. Aquele sopro apagou velas que insistiam em procurar fontes de combustão, mas fez acender chamas. Não reacendeu, mas deu a ela a chance de uma nova perspectiva.
Sentiu seu mundo mudar. Sentia que estava com os pulmões cheios de água e tossia para que aquilo fosse colocado para fora. Afundar na banheira às 07:03 deixou de ser uma ideia tão boa como ela pensara minutos antes. Seu corpo foi tomado por uma sensação nova de vazio, mas, dessa vez, o vazio parecia bom. Era a oportunidade de deixar-se preencher novamente, era a chance de se permitir.
Ele, de tanto querer aquilo, transformava a sua ânsia em insegurança sem ao menos saber de que era de segurança que ela precisava. Ele não entendia o porque de querer tanto aquilo, só sabia que queria. Queria como o menino que esperneia pelo último boneco da estante, queria como se a sua vida dependesse daquilo. Talvez ele também precisasse que seus pulmões fossem tomados um pouco pelo ar e ela seria a sua única esperança para aquilo. Ele queria o imediatismo; ela, a calma. Mas ele não se deixou perceber isso. A ansiedade havia tirado todas as suas percepções. Não se deu conta das interjeições que estavam ocultas nas entrelinhas, não percebeu os pedidos de socorro garranchados na dobra do livro.
Nesse jogo de ele e ela, havia também os outros. E os outros não entendiam nada aquilo. Não havia sentido para ambos os lados, desafiavam todas as ordens designadas pelo mundo. Tornavam-se agentes desencorajantes, sufocavam qualquer chance de grito, vendavam os olhos para a chance de um novo amor. Ela, ele tornaram-se eles e passaram a ignorar qualquer onda que tentava alcançá-los. Não sabiam do que estavam se defendendo, não sabiam o que estavam defendendo, não sabiam também o que queriam, apenas tinham a certeza de não querer que aquilo acabasse.
Ela se viu em uma emboscada, mas, ao invés de dar um passo para trás, preferiu insistir nos passos em falso. Insistir em algo que nunca havia existido e que não tinha pretensões de existir parecia tão desvairado que ela preferiu esquecer qualquer adjetivo que pudesse tentar definir aquela situação. Nenhum verbete naquele dicionário empoeirado guardado na estante inutilizada poderia nem ao menos beirar o que ela sentia.
Ele passou a se dar conta de como a sua vida estava mudando e se dividia em ter medo daquilo, em querer voltar a ser o que era ou arriscar no desconhecido. Abandonou, então, o mundo das concretudes e se jogou no das incertezas mesmo sabendo que aquilo estava longe de ser tangível. Atirou-se desejando que o chão não fosse alcançado, que antes disso ela o tomasse nos braços.
O medo fazia algumas visitas principalmente durante a noite. Sem perguntar se era bem vindo, fez-se presente. Para ela, a falta de segurança transformou-se em um novo pensamento. Começou a idealizar se não estaria sendo um alguém para tapar buracos e suprir a ausência de um amor de outrora. Em sua mente se ensaiava um desespero que repercutia em todo o seu corpo como uma dor fina que desatinava sem cerimônias.
Torciam para que os milésimos passassem devagar, mas o tempo não demonstrava estar ao lado deles. Logo o mundo real se fez presente e o obstáculo passou de poucos centímetros a uma cortina de ferro alimentava pela timidez. Nem ele nem ela se davam conta do que estava acontecendo. Dividiam historias de pretéritos amores e encontravam ombros a se encostar. Em suas faces estava estampada uma felicidade aparentemente sem motivos e passavam a ansiar a presença do outro cada vez mais.
(to be continued...)